Sobre Carl Rogers e a Abordagem Centrada na Pessoa

Por Emanuel Meireles Vieira

Carl Rogers conferiu à relação terapêutica o status de objeto de investigação científica nos Estados Unidos da década de 1940. Antes tida como atividade exclusiva de médicos, a prática terapêutica se consolidou como um trabalho possível de ser realizado por psicólogos a partir da iniciativa de gravar, em áudio e posteriormente em vídeo, casos inteiros de psicoterapia a fim de analisar os elementos fundamentais que compõem essa relação.

O passo dado por Rogers e sua equipe de pesquisadores deu à Psicologia feita fora do laboratório um lugar de destaque no contexto de Segunda Guerra Mundial. O retorno de soldados sobreviventes ao conflito bélico exigia a necessidade de um método de trabalho que fosse simples, de fácil treinamento e que não exigisse grandes períodos de tratamento. Essas características resumem bem o que era, àquele tempo, o então chamado aconselhamento não-diretivo e que deram a Rogers, em 1946, o posto de presidente da Associação Americana de Psicologia (APA). A preocupação fundamental do counselor era de fato não dar diretivas, não se colocar no caminho do outro, apenas clarificando aquele que ele trazia e confiando em seu potencial, sem análises causais ou grandes teorias intrapsíquicas, como se pode conferir em Psicoterapia e consulta psicológica, publicado em 1942.

Rogers recebeu financiamento para desenvolver diversas pesquisas no campo do aconselhamento psicológico e da psicoterapia – especialmente em Chicago, onde trabalhou por cerca de uma década – e desenvolveu a chamada Terapia Centrada no Cliente. Seu centro de aconselhamento, que posteriormente ficaria mundialmente famoso, serviu para o aprofundamento e sistematização do que Rogers chamou de condições necessárias e suficientes para a mudança da personalidade. Basicamente, essas consistiam na necessidade de que houvesse uma relação, de que o cliente estivesse de algum modo mobilizado para ela, de que o terapeuta estivesse integrado naquele momento e que demonstrasse consideração positiva incondicional e compreensão empática. Nada disso teria valor, porém, se não fosse experienciado pelo cliente. Era isso que significava centrar-se no cliente. Era dele a decisão a respeito dos rumos que a relação deveria tomar.

No fim da década de 1950, Rogers se muda para a Universidade de Wisconsin, onde trabalha nos departamentos de Psicologia e Psiquiatria. Desenvolveu pesquisas com pessoas com hospitalizadas e com diagnóstico de esquizofrenia. Deu um salto gigantesco ao radicalizar a valorização da atuação do terapeuta a partir de sua presença e suas atitudes diante do outro. Valorizou-se a genuinidade do terapeuta, o encontro humano, como elemento fundamental e anterior a qualquer outra condição. O terapeuta foi deslocado do lugar de expert e convocado a ser uma pessoa.

Rogers se consolidou no mundo inteiro no âmbito das relações de ajuda e ampliou o espectro de sua influência para outros campos, como as relações de ensino e aprendizagem, a mediação de conflitos, facilitação de grupos e relações humanas em geral. Várias reflexões nesses campos estão contidas no best-seller Tornar-se pessoa, publicado em 1961 e traduzido em diversos idiomas. Em meados dos anos 1960, quando se aposentou da Universidade, Rogers passou a se dedicar a trabalhos fora do contexto psicoterapêutico, com preocupações como a melhor comunicação entre grupos, as relações de ensino e aprendizagem e a paz mundial – o que o fez nomear sua teoria não mais apenas como uma terapia, mas uma Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Viajou o mundo (inclusive veio ao Brasil três vezes) a fim de dialogar sobre sua proposta de uma comunicação mais humana e compreensiva e foi indicado ao prêmio Nobel da Paz no ano de sua morte (1987).

Mais do que uma técnica de psicoterapia, Rogers criou, com diz Mauro Amatuzzi, uma ética das relações humanas e seu trabalho reverbera até hoje, mais de 30 anos após sua morte. Os parâmetros que estabeleceu para as relações humanas são forte marca não apenas da ACP mas de qualquer discussão sobre um bom relacionamento terapêutico. Além disso, seus desdobramentos no mundo todo geram frutos que têm com raiz comum a relação com o outro pautada pela abertura, pela compreensão e pela honestidade no encontro com a diferença.